O texto de hoje é uma reunião de quatro mini-monólogos. E, na verdade, esses mini-monólogos foram textos que escrevi para o espetáculo Todo Mundo Amplia a Paranóia que Cria. Tenho um carinho enorme por esses personagens, porque eles me forçaram a escrever um espetáculo para falar deles e de paranóias tão comuns no nosso tempo. (risos) Essa disposição encontrada aqui era uma sugestão para serem quadros separados que surgiriam durante algum outro espetáculo de esquetes.
TERAPIA DE GRUPO, de Raul Franco
VOZ EM OFF.: TERAPIA DE GRUPO
Alfredão – Opa. Beleza? Tô atrasado aí pra terapia? Não, né? O quê? Pra eu falar sobre sexo? Adoro sexo. De manhã, de tarde, de noite, de madrugada... Não tem hora pra sexo. Eu, por exemplo, a hora em que me dá vontade, eu faço. Sexo, pra mim, no mínimo umas 5 vezes por semana. E a cada vez que acontece, é direto. Pra suar, pra delirar, pra sentir gostoso. Sexo é assim. Sei que muitos amigos e amigas não gostam quando fico falando de sexo dessa maneira aberta. Ficam..., como se diz... constrangidos. Eu não tenho nenhum constrangimento. Gosto de falar, gosto de fazer. E quem fica muito constrangido, pode ter certeza que tem algum problema. De uma coisa eu me orgulho: não tenho nenhum problema sexual. Agora, quanto ao amor... eu não tenho tido muito tempo pra pensar nisso. Também sexo é uma coisa, amor é outra. Procuro não confundir as coisas. Nem dá. É que ando sem namorada. Transo um dia com uma, um dia com outra. Fico variando de mulher. E isso é muito melhor do que ficar nessa história de amor. Amor é uma coisa meio babaca, meio possessiva. E eu não tenho cabeça pra isso. E, pra encurtar, se você vier me perguntar se eu já amei, vou ser curto e grosso: NÃO. Nem faço questão. Já senti uma coisa esquisita por uma mulher, mas passou. Amar, nunca amei. Mas já transei com a mesma mulher mais de duas vezes... e isso é quase amor. Não é?
CENA 2 : TERAPIA DE GRUPO
Adélia - Eu não tô muito bem pra falar agora, principalmente sobre amor, desejo, relações humanas. Essas coisas aí. Me desculpem. É que hoje, justamente hoje, faz um mês que eu me separei do Osvaldo. Apesar das descrenças das minhas amigas, eu vivi 10 anos ao lado deste homem. Gente, 10 anos não são 10 dias. É muita coisa. Eu levei adiante nossa relação, enfrentando chuvas e trovoadas. Eu acreditava que um amor podia ser eterno. Podiam me chamar de boba, careta, ingênua, mas eu acreditava, eu queria acreditar. Poxa, era o meu ideal de vida: amar pra sempre. E eu casei no civil e no religioso. Nosso casamento foi abençoado por Deus. Como pude trair a bênção de Deus? E eu tava tão linda na igreja, toda de branco. Me casei virgem, por incrível que pareça. Ninguém hoje em dia mais sabe o que é casar virgem. Ninguém mais sabe o que é casar na igreja, de papel passado. Mas eu casei, fui em frente com o meu amor. O padre tava lá, dizendo aquilo que eu sonhava em escutar: Adélia, aceita o Osvaldo como seu legítimo esposo? Prontamente eu disse: aceito, senhor padre. Ele nos abençoou e disse: até que a morte os separe. Eu acreditei. E olha no que deu. Não fomos separados pela morte. Fomos separados pela vida. Isso quer dizer que todo aquele discurso do padre não foi cumprido. Traímos a bênção da igreja. Mas, no fundo, não seguimos a risca tudo aquilo que faz parte desse ritual religioso. Muitos dizem que sou supersticiosa, mas acho que o nosso casamento não durou, quer dizer, em comparação aos casamentos de hoje em dia, que não duram mais de dois anos, durou e muito, só que não durou a vida eterna, a nossa vida eterna. Ele não durou... porque quando saímos da igreja, os nossos convidados não... nem sei bem porque... eles não jogaram ARROZ! Não jogaram arroz quando passamos por eles. Não jogaram arroz! Gente, como pode?! Foi isso. O meu casamento não sobreviveu por causa do arroz. Ai, gente, um mês de tristeza e tudo por causa do arroz. Ai, eu tô péssima. (chora)
CENA 3 : TERAPIA DE GRUPO
Marisa – Desculpa, eu tô meio atrasada... Mas estou aqui e vamos logo começar porque eu tenho mil coisas pra fazer. Ahn? Sexo? Não faço há muito tempo. Perdi até a noção do que vem a ser o ato sexual envolvendo um homem e uma mulher. Mas não me tornei lésbica, não. Na verdade, tenho outras preocupações muito maiores em minha vida. Estar falando aqui, por exemplo, já está tomando um pouco do meu tempo, que, por sinal, é muito precioso. Sim, eu sou uma administradora de empresas. Diga-se de passagem, muito bem sucedida. Tenho três casas próprias e alguns bens no meu nome. O poder realmente me atrai. Tenho tino pra isso. Tenho também um gosto refinado. Adoro jóias caras, carros importados, iates, e outras coisitas. Pra me agradar é muito difícil. Então, amo as minhas coisas e isso basta. Não, não, não, não sou prepotente. Tenho apenas a estima elevadíssima. Se eu assusto os homens? Claro. Homens têm pavor de mulheres bem sucedidas e independentes. Ainda querem a velha e morta Amélia. Coisa para a qual não tenho o mínimo talento. Por isso, vivo só, eu e o meu trabalho. Ah, tenho 4 cãozinhos de raça e com pedigree, e dois gatos franceses que ganhei de uma amiga. Eles são a minha companhia. Se sinto falta de homem? Como sentir falta de homem se tenho dez dedos? Pegou? Faço justiça com as próprias mãos. Afinal, estou cansada daqueles pseudo-garanhões que acham que o bom sexo é fazer mil acrobacias na cama. Meu último namorado me jogava pra cima, me jogava pro lado, pra direita, pra esquerda, e ainda perguntava: tá bom, amor? Eu dizia pra mim: se você parar com esse joga pra lá, joga pra cá, vai ficar ótimo. Quem sabe até eu goze, né? Que lástima! Ah, homens, que raça de incompetência! Quando vão aprender a amar uma mulher? Eu só sinto falta de homem quando tem barata em casa. Tenho pavor de barata. Se um dia eu conseguir parar de ter medo de barata, aí mesmo é que não vou precisar de homem. Fazer o quê? Sou assim.
CENA 4: TERAPIA DE GRUPO
Eriberto – Boa noite! Eu me chamo Eriberto Coelho. Tenho uma história muito complicada. Mas recheada de muita paixão. Desde pequeno, eu era diferente dos outros garotos da minha idade. Enquanto eles estavam jogando futebol na praia, eu estava em casa assistindo à minha fita de vídeo favorita: Bambi. Quando vi esse filme a primeira vez, minha vida mudou por completo. Nunca entendi o meu fascínio pelo personagem Bambi. O que sei é que tinha camisa com o desenho do Bambi, mochila, caderno, tudo o que você possa imaginar. Minha mãe quando viu que eu tinha um certo jeito delicado, meio parecido com o Bambi, chamou o meu pai, que me deu três tabefes e... quebrou minha fita do Bambi. Só de pensar nisso, vem toda uma dor antiga, que eu pensava estar sepultada. Jamais pude esquecer esse fato. Nunca perdoei ao meu pai. E sempre me puni por causa do meu jeito. Passei a ser um homem destruído por dentro. E com os olhos banhados de lágrimas, olhei para o espelho e desabafei: Todos estão muito embrutecidos para entender o mundo sensível de Bambi. Só eu sei o que passei nessa vida, me culpando por ser como sou. E, afinal, quem eu sou? Será que a gente precisa ser alguma coisa? To be or not to be... Por que um homem tem que gostar de outra mulher? A obra Romeu e Julieta não podia ser Romeu e Ricardo? Quando a humanidade vai nos olhar com outros olhos? Ai, meu Deus, eu sou um joguete do destino. Continuo a pecar e pedindo salvação. Mas, afinal, Deus não disse: Amai-vos uns aos outros como eu vos amei? Então? O que há de errado comigo? Há algo de podre no reino da Dinamarca... isso não tem nada a ver com o que eu tô falando, é que eu adoro citar Shakespeare. Ai, Romeu, você podia ser meu. Otelo, me bate com um martelo. Ricardo III, eu te quero por inteiro. Ai, que dor, que dor...
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