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segunda-feira, 11 de abril de 2011

Carentes e Paranóicos



CARENTES E PARANÓICOS – Raul Franco

Ambiente: um balcão de bar. Som de Janis Joplin ao fundo. Tudo que caracterize um clima bem noir, bem fim de noite. Os personagens são melancólicos e extremamente paranóicos.

Personagens: Homem e Mulher

Homem - Cê tá sozinha?
Mulher - Eu vivo sozinha.
Homem - Igual a mim.
Mulher - Mas agora eu não tô sozinha.
Homem - Não?
Mulher - Tô com o meu copo de whisky.
Homem - Não deixa de ser uma companhia.
Mulher - Elas também estão aqui.
Homem - Quem?
Mulher - As minhas paranóias. Hoje elas encheram o meu saco que eu resolvi trazê-las pra essa boate... boate não, esse boteco metido a luxuoso.
Homem - Quer dizer que as suas paranóias estão com você?
Mulher - Todas. E você, tá sozinho?
Homem - Eu saí de casa com um leve desespero de ficar sozinho. Logo, eu não tô sozinho, eu tô com esse leve desespero.
Mulher - Isso não é tão grave assim. É solucionável.
Homem - Mas eu também tô com uma carência avassaladora.
Mulher - Todo ser humano é carente desde que nasce.
Homem - Eu tava me sentindo meio desprotegido. Por isso, saí.
Mulher - Eu tava me sentindo meio deprimida, meio melancólica. Tomei uma garrafa inteira de cointreau e saí, pra distrair, sabe?
Homem - Acho que a gente encontrou afinidades, não?
Mulher - Detesto afinidades.
Homem - Eu também não gosto, mas é que, às vezes, elas são evidentes demais.
Mulher - Você tá me cantando, é isso? Cara, é melhor desistir, porque eu sou hiper-paranóica.
Homem - Eu sou hiper-carente.
Mulher - Daqueles que pegam no pé?
Homem - Nem tanto. Sou daqueles que fazem pirraça quando querem alguma coisa. Do tipo que grita e esperneia.
Mulher - Você precisa se analisar.
Homem - Eu me analiso.
Mulher - Isso é bom.
Homem - Inclusive, eu tô trocando de analista.
Mulher - A anterior desistiu de lhe analisar?
Homem - Não. Ela se matou.
Mulher - Cara, que viagem. Você deve tá super-legal, né?!
Homem - Eu tô péssimo mas eu disfarço bem.
Mulher - Sabe que você me deixou feliz?
Homem – (animado) Verdade?
Mulher - Claro. Você é mais fudido do que eu.
Homem - Sabia que quando as paranóias são tantas, elas acabam se anulando.
Mulher - Quem disse isso?
Homem - Eu. Gosto de inventar essas frases de impacto.
Mulher - Vem cá, me diz uma coisa: antes de vir pra cá, você tava fazendo o quê?
Homem - Eu arrumei a casa mil vezes. Depois, quando já não aguentava mais, eu saí correndo pra cá. Ninguém me ligou, ninguém me procurou. Eu tava sentindo vontade de gritar.
Mulher - Pô, então, grita.
Homem - Aqui?
Mulher - É.
Homem - Vão pensar que eu tô louco.
Mulher - Você é louco. E carente ainda por cima. Será que você é louco por ser carente ou é carente por ser louco?
Homem - Nunca me perguntei isso.
Mulher - Olha, na boa, já acabou o meu whisky e eu tô saindo fora. Esse boteco já me cansou.

(Levanta pra ir embora)

Homem – (tentando impedir que ela se vá) Eu não te causei nenhuma sensação?
Mulher - O whisky me causou. Tô completamente tonta. Quer dizer, você me deixou tonta também. Era bem melhor eu beber você. Ainda economizava uns trocados.
Homem - Não quer fazer amor?
Mulher - Cara, eu não faço amor. Eu trepo.
Homem - Trepa? Eu pensei que as mulheres fizessem amor.
Mulher - Você não sabe nada sobre mulheres. E quer saber? Caguei pra esse romantismo de fazer amor. São três horas da manhã e você me pergunta se eu quero fazer amor. Eu queria que alguém me comesse. Mas, olha, sinceramente, com esse papo de fazer amor, eu perdi o tesão. E, afinal de contas, você não é o meu tipo. Então, pra quê a gente vai começar alguma coisa se eu sei que não vamos terminar juntos? Fui. (sai)
Homem - Isso que eu chamo de falta de consideração com a carência dos outros. E eu nem queria fazer amor com você. Eu não faço amor também. Eu transo. Transo, não. Eu copulo que é muito mais interessante. Garçom, me vê um whisky duplo. Ou melhor, me vê um revólver, eu quero me matar. Não existe mais respeito entre as pessoas, não existe mais nada. Eu quero gritar. (grita)


Fim


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