A CULPA É DO PAULO – de Raul Franco
(Ernesto está sentado numa poltrona, lendo o jornal. Entra Michele)
Michele - Ernesto, a gente precisa ter uma conversa.
Ernesto - Pois não.
Michele - Eu acho que a gente precisa discutir a relação.
Ernesto - Tudo bem. Eu adoro discutir a relação. Pode falar.
Michele - Eu acho que a gente ‘tá se afastando. As coisas já não são como antes. Eu tô me sentindo meio só na relação, entende? E solidão a dois é terrível! Por causa disso, por não suportar esse nó na garganta, que me aflige, me tira o sono, eu acabei fazendo algo que eu gostaria de te dizer.
Ernesto - Então, diz, amor. Não precisa ficar nervosa.
Michele - Quando você viajou a trabalho pra São Paulo naquela semana. Eu me questionei muito a respeito do nosso casamento. E me senti muito desprotegida, muito abandonada e frágil. Por isso, senti falta de alguém pra conversar. Foi aí, então, que acabei indo a casa do Paulo.
Ernesto - O Paulo? O vizinho aqui do quarteirão?
Michele - Ele mesmo. Eu fui lá porque ele me convidou pra jantar. Jantamos um maravilhoso espaguete e bebemos algumas taças de vinho. Falamos de nossas aflições, de nossas carências... Ele também não está feliz com a mulher. Você sabe quem é, não? A Sandra.
Ernesto - Claro que sei. Aquela peituda, alta, professora da PUC...
Michele - Pois é. Então, quando descobrimos essa semelhança em nossas vidas, ou seja, esse afastamento de nossos parceiros, acabamos por nos sentir mais próximos... percebe o paradoxo?... tão próximos que pintou uma química estranha e nós nos entrosamos de tal maneira que, sem perceber, acabamos transando.
(Entra uma rápida vinheta de suspense. Ernesto olha para a cabine do sonoplasta, cortando o clima que poderia surgir da música)
Ernesto - Não. Pode tirar a música. Aqui não tem isso, não. O diálogo é aberto. (volta pra Michele) Michele, você transou com o Paulo enquanto eu estava em São Paulo ?
Michele - Carência!
Ernesto - É, eu sei. Acontece.
Michele - O problema é que foi muito bom. Foi muito gostoso. Eu fiz coisas com ele que nunca pensei que pudesse fazer.
Ernesto - Você fez coisas...? Tipo o quê?
(Ela fala em seu ouvido)
Ernesto - Não acredito. Você fez isso, Michele?
Michele - Eu não sei o que me deu.
Ernesto - Depois de transar com ele, vocês ficaram abraçados, ouvindo Sandy e Júnior?! Não acredito!
Michele - Mas foi bonito. Eu precisava daquilo. Ele precisava daquilo.
(Pequena pausa)
Ernesto - Você teve orgasmos?
Michele - (meio sem jeito) Tive.
Ernesto - Quantos?
Michele - Sete.
Ernesto - Caramba! Sete, michele! Comigo nunca passou do segundo.
Michele - É que eles estavam acumulados dentro de mim. A gente não transa há dois meses, Ernesto!
Ernesto - Tudo isso?
Michele - Tudo isso. Imagina passar dois meses sem transar! Espero que você entenda o que aconteceu. Não foi sacanagem. Desculpa, mas eu precisava te revelar isso.
Ernesto – Puxa, que descoberta, né? Eu vou tentar entender. A gente erra, às vezes, e não sabe porquê. E erros são erros. Devem ser passageiros. Não podem comprometer uma relação. Ainda mais uma relação como a nossa. Eu tenho que te entender, Michele. Pelo menos, tentar entender. Sabe por quê? (breve pausa) Porque eu também te traí.
(Entra novamente a música de suspense. Agora é Michele quem olha para o sonoplasta, cortando-o)
Michele - Não precisa disso, não. Aqui é um casal aberto, sem estresse. (virando-se para Ernesto, calmamente) Continua, amor.
Ernesto - Lembra quando você saiu com a sua turma de faculdade e foi para aquela festa de confraternização?
Michele - Lembro. Foi aquela quarta-feira que choveu muito, véspera do feriado de Corpus Christi.
Ernesto - (meio nervoso e tenso) Pois é. Eu te traí, Michele.
Michele - Calma, amor. Não fica nervoso.
Ernesto - Eu te traí, amor! Eu te traí.
Michele - Que você me traiu, eu já sei. Não precisa repetir. Respira fundo. Relaxa. Quem foi essa pessoa que te levou a fazer isso? Diz. Com quem você me traiu? (ele olha pra ela, suando frio) Pode dizer.
Ernesto - O Paulo.
(Música de suspense)
Michele - (levantando-se) O Paulo?
(Novamente música de suspense. Michele, furiosa, briga com o sonoplasta)
Michele - Pára com isso, pelo-amor-de-Deus! Vocês estão me deixando nervosa. (vira-se calmamente para Ernesto) O Paulo?
Ernesto - O Paulo! Aquele homem encantador. Eu não entendo como a Sandra pode deixar um homem desse dando sopa.
Michele - Também não entendo. Mas e aí, como isso aconteceu?
Ernesto - Ah, a gente se encontrou num barzinho aqui na esquina e conversamos muito. Depois, envolvidos pelo álcool, alguém deu a sugestão de irmos até uma sauna em Botafogo. Fomos. Depois da sauna, ainda emendamos para um motel, afim de ficarmos mais a vontade. E aconteceu tudo. Ele ‘tava muito carente. E eu me contagiei com a carência dele. E deixei acontecer, entende?
Michele - Claro que entendo. Carência é fogo. Acontece.
Ernesto - Eu não sei nem o que dizer.
Michele - Não fala nada, amor. Isso é sempre doloroso. Quer dizer, deve ser mais doloroso pra você que é um homem sensível.
Ernesto - É verdade. Mas a gente precisa superar isso.
Michele - Vamos tentar. Eu já me sinto bem por a gente ter escutado um ao outro. Eu acho que é isso que falta aos casais. No fundo, nós não temos problema. O Paulo é que tem. Ele precisa se resolver com a mulher. Senão, vai continuar por aí se envolvendo com todo mundo, né?
Ernesto - Esse rapaz precisa se cuidar. (respira fundo) Vamos dormir?
Michele - Vamos. Mas antes, será que você poderia me responder uma coisa. Uma coisinha só. (abraçando Ernesto)
Ernesto - Fala.
(Pequena pausa. Michele olha nos olhos de Ernesto)
Michele - Você foi ativo ou passivo?
Ernesto - (afastando-se) Ah, não, Michele, por favor. Isso é uma coisa particular. Vamos respeitar a nossa privacidade. Eu perguntei alguma coisa sobre a sua transa com o Paulo? Quis saber os detalhes? Então? Nós transamos e pronto! O resto diz respeito a mim. A mim, tá legal?
Michele - Tá bom, desculpa. Foi só uma curiosidade. Não pergunto mais.
Ernesto - Vamos dormir, por favor.
Michele - Vamos.
(cai a luz)
FIM
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