LIXO MEU - DE RAUL FRANCO
Música Tenho, com Sidney Magal. Os dois dançam, agarrados a uma vassoura. De repente, encontram-se através do olhar. Cessa a música Tenho. Entra música “Take my breath away”, tema do filme Top Gun. Wagner se aproxima de Vera e a toma nos braços. Olha em seus olhos e as bocas se aproximam. Vera coloca a sua mão na boca de Wagner. Cessa música.
VERA - Você escovou os dentes hoje?
WAGNER - (meio envergonhado) Não. Eu acordei tarde e ainda não escovei os dentes.
VERA - Eu percebi.
WAGNER - Está tão forte assim?
VERA - Um pouco.
WAGNER - Quem sabe uma balinha não resolva, né?
VERA - Eu acho difícil mas não custa nada tentar.
Wagner coloca uma bala na boca. Tentam se beijar de novo. Wagner tapa o nariz.
WAGNER – Faltou água em casa?
VERA - (desconfiando) Não. Tá tudo normal. Por quê?
WAGNER - Eu acho que eu disfarcei o mau hálito mas você tá com um cheiro intolerável.
VERA - (sem graça) É que eu suo muito. Acho que é problema hormonal.
WAGNER - Imagina se a gente estivesse fazendo outra coisa.
Os dois soltam um riso sem graça.
WAGNER - Mas deixa eu te dar um abraço (levanta os braços). Quem sabe, eu não consiga abafar o mau cheiro.
VERA - Wagner, você usa desodorantes?
WAGNER - ( tentando entender o por quê da pergunta) Eu passo perfume nas axilas.
VERA - Descobri que não faz o mesmo efeito.
WAGNER - Como assim?
VERA - Não ficou claro?
WAGNER - Eu não estou entendendo o teor de suas colocações.
VERA - Mas é tão simples que qualquer criança de três anos entenderia.
WAGNER - É melhor você ser clara.
VERA - Você está com um cecê terrível.
WAGNER - (explicando-se) É que eu fui ao Centro no sol quente do meio-dia e peguei um ônibus lotado, depois corri até a Uruguaiana para uma liquidação de toalhas e o sol queimando. Ainda por cima... (interrompe o que está dizendo e aproxima-se de Vera, olhando atentamente para o seu rosto) Você parou de usar os seus cremes da Natura?
VERA - (num susto) Parei. O dinheiro não dava mais para comprar os produtos que estão cada vez mais caros.
WAGNER - Então é por isso.
VERA - Por isso... o quê?
WAGNER - As rugas...
VERA - (assustada) Que rugas?
WAGNER - Na sua cara.
VERA - Mentira.
WAGNER - Verdade. Não podemos tapar o suor com a lixeira. Eu sei que é difícil aceitar que se tem rugas, pés de galinha, papa, enfim, que não se é tão bonita quanto se gostaria, pelo contrário, mais se parece um rinoceronte, um abacaxi e...
VERA - Pára. Não é preciso apelar.
WAGNER - A gente tem que encarar os fatos, meu amor.
VERA - Mas isso tinha que acontecer justo hoje.
WAGNER - E você tinha que não lavar os olhos.
VERA - O quê?
WAGNER - Eu não quero te dizer isso. É muito duro.
VERA - Já que começamos a conversar abertamente, é melhor você dizer.
WAGNER - Você não vai gostar...
VERA - (impaciente) Diz logo, Wagner.
WAGNER - Não sei se devo...
VERA - (decidida) Diz ou então me esquece.
WAGNER - Tá bem. Já que não tenho escolha, eu vou dizer: os seus olhos... os seus olhos estão... cheios de remela.
VERA - Ah, é isso? Eu já sabia. Pensa que eu não me olho no espelho?
WAGNER - E por que não limpou?
VERA - Preguiça. Eu não posso ter preguiça? Eu tenho preguiça também Eu morro de preguiça.
WAGNER - Por preguiça, Vera?
VERA - Eu não tirei a remela dos meus olhos porque eu não quis. Preferi ficar na cama, descansando. Não fui eu quem colocou esta secreção viscosa no meu olho, e além do mais, ela está no meu olho, quietinha, não está incomodando ninguém. O pior é você, que fala com todo mundo sem escovar os dentes. As pessoas queriam ter pregadores em seus narizes, para não sentir o bafo que você tem, a fedentina que sai da sua boca. Sem contar que você peida a noite toda, aqueles peidos sonoros que toda a vizinhança ouve... E agora vem falar da minha remela. Tem dó, Wagner. Você é o maior sujismundo que eu conheço. E tem mais, eu acho que você...
WAGNER - É melhor a gente parar com isso, senão o negócio vai feder. Essa briga não vai levar a lugar nenhum.
VERA - Agora você acha. Quando a sujeira é alheia tudo é festa, não é? Sujeira no corpo dos outros é enfeite, sinal, tatuagem, broche...
WAGNER - Eu disse pra gente parar com essa discussão que já não está cheirando bem. Eu acredito que o nosso amor já está no limite da lixeira. Mas se a gente realmente se ama, a gente deve passar por cima de tudo.
VERA - Por cima do mau cheiro não dá, Wagner.
WAGNER - E as tuas rugas não contam?
VERA - Tá bom. Fecha essa lixeira. Eu tenho uma solução. Que tal se a gente tomar um banho, passar um perfume, escovar os dentes...
WAGNER - Lavar os olhos...
VERA - Então?
WAGNER - Eu acho que a gente deve tentar. Afinal, não existem moscas suficientes para afastar você de mim.
VERA - Isso é poesia, Wagner. Adoro quando você joga limpo comigo. Mas me responde uma coisa: você fecha os olhos pra não ver as minhas rugas, os meus defeitos, as minhas estrias?
WAGNER - Você tem estrias?
VERA - (dengosa) Pára, Wagner. Você sabe que eu tenho.
WAGNER - Juro que eu não sabia.
VERA - Droga. Por que eu fui contar?
WAGNER - Deixa pra lá. Eu acho lindo estrias. Todas as mulheres têm.
VERA - Mentira. A Cláudia Raia, por exemplo, não tem.
WAGNER - É a gente que não vê direito. É truque de televisão. Mas se ela não tem agora, com certeza, vai ter um dia.
VERA - Pôxa, Wagner. Você me faz sentir tão bem.
WAGNER - Olha, se você quiser, eu fecho os olhos pra não ver nada disso. Fico que nem um ceguinho apaixonado... Mas eu não posso fechar o nariz. Você sabe, a gente precisa de ar pra viver.
VERA - Sei...
WAGNER - Que tal uma boa ducha para revigorar o nosso amor?
VERA - Excelente idéia.
WAGNER - Vera, tudo isso é por amor?
VERA - Só o amor suportaria isso tudo.
Entra alguma música animada, enquanto acontece uma rápida encenação de que os dois estão tomando banho, esfregando as costas um do outro e passando desodorantes. Os objetos da cena serão retirados par compor um novo quadro.
FIM
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